De olho nos SMRs

Associação do hidrogênio quer destravar oportunidades em aproximação com nuclear no Brasil

Parceria com Abdan busca alavancar papel da energia nuclear para viabilizar economia do hidrogênio de baixa emissão de carbono no país

Estatal brasileira Nuclep e empresa russa Rosatom assinam acordo de confidencialidade para transferência de tecnologia em SMRs. Na imagem: Produção de micro reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês) (Foto Divulgação Rosatom)
Produção de micro reatores modulares (Foto Divulgação Rosatom)

RIO — A Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2) firmou um memorando de entendimento com a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan) para integrar esforços entre os setores de hidrogênio e energia nuclear

O objetivo é destravar novas oportunidades para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, com destaque para o uso de pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês) e a contribuição da geração nuclear para garantir energia firme à eletrólise, mesmo com o avanço das fontes renováveis.

“Achamos importante já começar a fazer os passos de integração, porque isso é uma oportunidade que se coloca no futuro, sobretudo quando você tiver a viabilização competitiva dos SMRs”, afirma Giovani Machado, presidente do Conselho Consultivo da ABH2 e diretor técnico do Projeto ABH2-UK PACT da ABH2, em entrevista à agência eixos

Ele lembra que a combinação da geração nuclear com a produção de hidrogênio de baixa emissão é uma das estratégias que vem sendo adotada em vários países.

O Brasil, assim como Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, França, Noruega e Coreia do Sul, aposta na diversificação das rotas de produção, integrando renováveis, biomassa, nuclear e tecnologias de captura de carbono para ganhar escala e viabilizar a transição energética. 

Entretanto, na visão de Machado, a integração do hidrogênio com nuclear é uma agenda pouco explorada por aqui, ao contrário da França e Estados Unidos, por exemplo.

“Globalmente você tem discutido cada vez mais a possibilidade de fazer modelos de negócios integrando nuclear e hidrogênio”, diz. 

Brasil já produz hidrogênio a partir de nuclear, mas descarta

Embora novo no debate público, o uso de energia nuclear para produzir hidrogênio já ocorre no Brasil nas unidades de Angra 1 e 2. 

“O Brasil, na verdade, já produz hidrogênio a partir de nuclear há 26 anos, só que não usa”. 

Nas usinas nucleares Angra 1 e 2, a água do mar é usada como resfriador e recebe hipoclorito de sódio para evitar a proliferação de organismos nos equipamentos. 

Esse hipoclorito é gerado por eletrólise da água do mar, processo que também produz hidrogênio como subproduto. Hoje, essa molécula é liberada na atmosfera, mas a Eletronuclear já possui estudos para o seu aproveitamento como fonte de energia. 

Uma das grandes vantagens apontadas pela ABH2 para a integração entre nuclear e hidrogênio é a capacidade da energia termonuclear de fornecer eletricidade constante, complementando as fontes renováveis variáveis como solar e eólica. 

Essa confiabilidade é considerada essencial para tornar viável a produção contínua de hidrogênio via eletrólise da água, uma vez que o eletrolisador melhor aproveitado deve operar sem interrupções.

Europa recua em rigidez e abre brecha para nuclear

Na avaliação de Machado, a regulamentação da União Europeia (UE) ainda impõe entraves à integração do hidrogênio de origem nuclear à economia de baixo carbono, ao separar a molécula renovável de origem não biológica — o chamado hidrogênio verde — de outras rotas de baixa emissão. 

Mas esse quadro começa a mudar. A UE o Banco Europeu do Hidrogênio também passaram a considerar apoio a projetos com base nuclear, especialmente diante da dificuldade de atingir metas de descarbonização por uma única rota tecnológica. 

Está em discussão na Comissão Europeia a classificação do hidrogênio de baixo carbono, que poderia incluir rotas como a nuclear e a reforma de gás natural com captura e armazenamento de carbono.

“O debate avançou, a UE subiu alguns degraus em relação ao que vinha sendo proposto pelo Brasil, pelo Reino Unido, pelos Estados Unidos, pelo Canadá, pela Noruega”, pontua Machado. 

Mas, segundo ele, a manutenção de classificações distintas acaba criando um “mercado de boutiques”, o que tira competitividade ao dificultar “a mistura do hidrogênio produzido por diferentes rotas de baixa emissão de carbono” e ao impedir “o desenvolvimento de um mercado mais robusto”. 

Ele cita os casos de Alemanha e Dinamarca, países que inicialmente priorizavam apenas o hidrogênio verde, mas agora reconhecem a necessidade de incorporar a nuclear à estratégia de descarbonização. 

Cooperação com o Reino Unido e novas parcerias

A aliança entre ABH2 e Abdan também se insere em um contexto internacional mais amplo. 

A ABH2 mantém parceria com o Reino Unido por meio do programa UK PACT (Partnering for Accelerated Climate Transitions), que apoia projetos de transição energética em países emergentes. 

E em 2024 foi selecionada para desenvolver um plano estratégico de hidrogênio de baixa emissão no Brasil, em apoio ao Ministério de Minas e Energia.

A associação planeja ainda novas parcerias com entidades como a Unica (etanol), IBP (petróleo e gás) e Abiogás (biometano), com o objetivo de consolidar um ecossistema tecnológico e regulatório que promova diferentes rotas de produção de hidrogênio com baixa pegada de carbono.

Segundo Machado, a visão da ABH2 é de neutralidade tecnológica com foco na descarbonização, por isso a importância de  “começar a estruturar várias parcerias com outras associações para explorar as oportunidades com o hidrogênio também, a partir dessas outras matérias-primas”.

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